Virgilio Avelino PIRES
(1935 - 1985)
Biographie
Virgílio Avelino Pires est né le 12 avril 1935 à Praia et meurt le 22 mars 1985 à Lisbonne, à l'âge de 49 ans.
Fils de Maria Teresa Cabral (1913-1993) et de Henrique Avelino Pires (1902-1993), il semble qu'il soit resté célibataire.
Après des études au lycée de Mindelo, il devient fonctionnaire administratif jusqu'en 1964, date à l'aquelle il part pour l'Angola. Là, il devient chef des postes de Chinhama, Bela Vista, Huambo.
Il occupe le siège n° 32 des Patronos / Imortais da Academia Cabo-verdiana de Letras, fondée en 2013.
Oeuvres littéraires
Virgílio Pires est célèbre pour ses contes qu'il a songé à éditer en un recueil intitulé A herança.
En effet, après avoir publié un poème, il se lance dans l'écriture de plusieurs contes également publiés dans les revues capverdiennes de l'époque, telles que Claridade ou Cabo Verde, avant de revenir à la poèsie.
Il écrit aussi bien en portugais qu'en créole.
A HERANCA
Eles se foram todos. E Puxim estava sòzinho. Didi morrera e nada lhe restava.
Puxim abrangeu com a vista toda a boa terra de Cumbém. Tudo estava verde até a Assomada, até Bolanha. Do outro lado, até ao lundo, e muito mais para cima, até o monte Pico de Antónia.
Deus mandara chuva e a fome já não metia medo a ninguém. A terra acordara. Sim, porque a terra não morre. No tempo da crise dorme, mas acorda logo que Aquele Homem manda a velha emborcar o carmã.
Puxim queria muito aquela terra. Admirava-se de como ela mudava tão depressa. No tempo da crise, seca, áspera, avermelhada, como sítio em que o Sujo andou. Porém, logo que chovia, tornava - se escura, espessa, e, quando revolvida com a enxada, criava caroços. Era então a terra abençoada, a terra de Deus, que alimenta toda a gente.
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Tôco não era muitl direito. Tinha a cabeça muite grande e olhos arregalados que não se fixavam em nada. Não era muito direito, mas era sossegado e muito calado. Nhô Francisco dizia que ele tinha água na cabeça. Por seu lado, Nhâ Rosa garantia que tudo era obra de feiticeira.
Tôco às vezes fugia e la à Vila. Esquecia-se e ficava por lá até o escuro fechar. Então não voltava para a casa, porque tinha medo das feiticeiras. Ia dormir num quartinho cheio de palha, no quintal da casa de Nhâ Rosa.
Um dia a palha pegou lume e Tôco ficou todo queimado. Puxim lembrava-se bem. Tôco não gritava, não sabia gritar. Gemia surdamente e em tom monótono, ao mesmo tempo que os seus olhos arregalados se moviam aterrorizados, de um lado para outro. Untaram-lhe azeite de purgueira e levaram-no à Praia. Mas nada pôde salvá-lo. Deus que lho tinha dado, Deus lho tinha tomado.
Puxim reviu tudo isto e, dolorosamente, deixou que as recordações continuassem a torturá-lo.
André morreu em plena crise. Daquela vez, Puxim pensou que ele próprio ia morrer. Estava velho e muito fraco. Mas, mais do que a fome, doia-lhe ver os filhos enfraquecidos, com os corpos cheio de rebentos. Sobretudo André, que nos bons tempos era rijo como pilão verde.
André não pôde resistir e a morte deitou-lhe a mão. Depois veio o tempo da cachupa da Assistência, temperada com óleo de fígado de bacalhau. E ele e Didi não morreram de fome, graças a Deus.
Passou mais um ano. E Aquele Homem, considerando que já tinha experimentado a paciência do pecador, mandou chuva, que fez virar tudo verde.
E agora que tudo estava seguro, agora que não havia fome, agora é que Didi morria. Didi foi para o seu caminho. Foi para onde tinham ido Nhâ Bibiana, Tôco e André.
Nhâ Bibiana, Tôco, André. Todos eles. E Puxim estava sòzinho.
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Do alto da colina onde tinha o seu funco, Puxim lançou um triste e demorado olhar a tudo que o rodeava. Pensou na companheira que lhe dera três filhos e que Deus cedo chamara a St. Pensou nos seus mocinhos mortos uns atrás dos outros. E viu como estava só.
Abrangeu com a vista toda a terra de Cumbém e alongou o olhar até Bolanha, até o Junco, e muito mais para cima, até o Monte Pico de Antónia. E viu que só lhe restava a terra.
Aquela boa terra que não morria, e que, seca, áspera, avermelhada, se tornava escura, espessa, fértil, logo que nele caíam as chuvas de Deus. Boa terra! Terra, mãe de Puxim!
Puxim entrou no funco e saiu com a enxada. E começou a mondar. Primeiro, todo aquele rabo de terreno até o caminho - o lugar de Tôco; depois, para a esquerda, até o tapume de purgueira - o lugar de André; finalmente, até pegar com o monte - o lugar de Didi.
Claridade, n° 8 (05/1958), p. 55-56
Bibliographie
Périodiques
- "Inéditos: Virgílio Pires, "A morna"", Artiletra: JORE / Jornal revista de educação, ciência e cultura, ano VII, n° 28 (11-12/1998), p. 2
- "A herança", Arquipélago: revista de opinião e cultura, ano III, n° 9 (05/1988), p. 46
- "A fuga", África: literatura, arte e cultura, n° 2 (1978), p. 174-179
- "Histórias da velha Simôa", Raízes, ano I, n° 3 (07-09/1977), p. 36-40
- "Mim ta ba dacabalaio", Voz di povo (Praia), n° 102 (07/1977), p. 9
- "O crioulo reinventado", Novo jornal de Cabo Verde: orgão do Gabinete de informação do Governo, ano I, n° 6 (1974), p. 3
- "Meu irmão partiu", Cabo Verde: boletim de propaganda e informação, ano XI, n° 135 (12/1960), p. 19
- Claridade: revista de arte e letra, n° 9 (12/1960):
- "Titina", p. 10-12
- "Noite", p. 12-15
- "Crónica do menino que morreu na terra longe", Cabo Verde: boletim de propaganda e informação, ano XI, n° 128 (05/1960), p. 27
- "A viúva", Cabo Verde: boletim de propaganda e informação, ano IX, n° 100 (1958), p. 43-44
- Claridade: revista de arte e letras, n° 8 (05/1958)
- "A herança", p. 55-56
- "Peregrina", p. 56-57
- "Órfão", p. 57-59
- Dulce Almada Duarte / Jorge Miranda Alfama (ed.), Antologia da ficção cabo-verdiana: Claridosos, Praia: AEC, vol. II, 2001:
- "Lulucha", p. 497-501
- "Titina", p. 503-506
- "A fuga", in Lúcia Cechin (ed.), Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe: poesia e conto, Porto Alegre (Brasil): UFRGS, 1986, p. 89-94
- "Ês sâi fépo / Todos saíram", in Luís Romano (ed.), Contravento. Antologia bilingue de poesia cabo-verdiana, Taunton (MA / USA): Atlantis Publishers, 1982, p. 328-329
- Manuel Ferreira (ed.), No reino de Caliban: antologia panorãmica da poesia africana de expressão portuguesa (vol. I: Cabo Verde / Guinée-Bissau), Lisboa: Seara Nova, 1975 (3a ed., 1988):
- "Linha d'água", p. 288-289; 1988, supprimé
- "Reminiscência", p. 289-290; 1988, p. 283-284
- "Mané Fú", p. 290; 1988, p. 284
- "Es sai Fépo / Sairam todos", p. 315-316; 1988, p. 308-310
- Baltasar Lopes (ed.), Antologia da ficção cabo-verdiana contemporânea, Praia: Edições Henriquinas Achamento de Cabo Verde, 1960:
- "A herança", p. 403-407
- "Peregrina", p. 409-413
- "Órfão", p. 415-421
- "Lulucha", p. 423-430
Etudes critiques
- Sonia Maria Alves de Queiroz, "Lulucha e Titina: personagens à margem da sociedade", in António Aparecido Mantovani / Érica Antunes Pereira / Simone Caputo Gomes (ed.), Literatura cabo-verdiana: leituras universitárias, Cáceres (Mato Grosso): UNEMAT Editora, 2015, p. 166-175 (web)
- Sõnia Maria Alves de Queiroz, "Virgílio Pires: Lulucha e Titina", Revela: periodico de divulgação científica da FALS, ano III, n° 5 (06-08/2009), p. n/a (web)
- Jorge Miranda Alfama, "Um escritor singular: Virgílio Pires", Emigrason: revista do MNE, n° 20 (1987), p. 53
- Gregory McNab, "Pistas para uma identidade nacional cabo-verdiana nos contos de Virgílio Pires", in Les littératures africaines de langue portugaise. À la recherche de l'identité individuelle et nationale (acte du colloque international de Paris (28/11-01/12/1984)), Paris: Fondation Calouste Gulbenkian / Centre culturel portugais, 11/1985, p. 269-275